terça-feira, 11 de agosto de 2009

Nojenta?

Matéria que saiu na revistra TRIP, desculpe-me eu não colocar detalhes da edição, eu recebi assim via internet ... vale a pena ler .... risos .... abraços

Nojenta?
A mulher perfeita não tem cheiro, nem pelos, hálito, chulé ou gosto. Nojo de nós mesmas?

Você acorda cedo em uma segunda-feira para ir trabalhar. Como sempre, coloca o despertador para tocar uma hora antes. Assim, tem tempo de correr para o banheiro, escovar os dentes e bochechar com algum antisséptico bucal. Imagina se o seu namorado resolve te dar um beijo e você está com mau hálito! Também é bom fazer cocô antes que ele acorde. E depois jogar um aromatizante no banheiro para que nada fique com cheiro – o seu cheiro. Tem coisa mais nojenta?


Na hora do banho, você aproveita para lavar a sua xoxota com um sabonete íntimo bem perfumado. Em seguida, desodorante corporal e um outro na axila que promete te “proteger” o dia inteiro. Antes de se vestir, você coloca um absorvente para uso diário na calcinha. A embalagem dizia que ele inibe os odores naturais. Melhor assim. Imagina se alguém do seu trabalho senta perto de você e percebe um cheiro estranho vindo “dali”.


Alguns dos seus rituais serão repetidos durante o dia. Na nécessaire, você carrega um pacote de lenços umedecidos para higiene íntima. E de noite, depois de trabalhar, você finalmente terá uma folga e poderá transar com o seu namorado. Mas só se a depilação estiver em dia. Assim que o sexo acaba, você corre para o banho. Abraçar o amor da sua vida cheia de suor? Nem pensar.


Odores naturais?Talvez você tenha se identificado com pelo menos duas das atitudes da moça descrita acima. Se sim, saiba que foi pega por uma síndrome que atinge muitas garotas: o nojo de tudo que sai do próprio corpo. Uma espécie de “doença social” que faz com que passemos a achar que coisas naturais, como secreções, suor, menstruação e pelos são uns trecos nojentos. Mas como assim? Aquilo que sai do nosso corpo é mesmo tão desagradável?


Pelo jeito, muita gente acha que sim. Prova disso é que a indústria de cosméticos só cresce no Brasil. Ela é a terceira em tamanho no varejo mundial. Olhando nas prateleiras das farmácias dá para perceber. Só os sabonetes íntimos, aqueles fabricados especialmente para você lavar a sua xoxota, são encontrados em dez tipos. Dois anos atrás, eram três ou quatro. Hoje, tem com cheiro de morango, os indicados para o verão e por aí vai. Existe até, pasmem, sabonete íntimo “teen”. Há também uma grande variedade de protetores para a calcinha de uso diá­rio. Um segmento que cresce 15% por ano, de acordo com o Guia das Farmácias. Os da moda são os que prometem evitar “possíveis odores naturais”.


A publicitária Renata** aderiu à novidade. “Uso absorvente antiodor. Ainda mais no calor. Detesto quando vou à casa de alguém que tem cachorro e ele fica me seguindo por causa do ‘cheiro de cio’. Faço tudo para evitar ficar com cheiros, penso que alguém pode sentir.”


Este corpo não te pertence Vale lembrar que quando éramos adolescentes tínhamos no máximo quatro tipos de absorventes para escolher. Hoje, nas drogarias, encontramos mais de 30. Os mais modernos avisam na capa que amenizam os possíveis odores da menstruação. E outros carregam no rótulo a promessa de manter o fluxo sem contato com o corpo. Ou seja, já que o sangue sai de você, que pelo menos fique bem longe. Assim como o suor, o hálito ou qualquer outro cheiro ou fluido que saia do seu corpo.


Estamos falando de um exagero que o filósofo Mario Sergio Cortella, da PUC-SP, considera uma doença social. “Cada dia percebemos um aumento do processo de desnaturalização do corpo. Achamos que podemos barrar a natureza. A mulher não pode ter pelos, cheiros, precisa tirar as marcas do tempo. Viramos pes­soas de plástico. Isso nada mais é que uma recusa à aceitação da vida”, explica Cortella. Se identificou?


O professor compara nosso corpo a um shopping center. Faz sentido. “Há 30 anos esse processo antinatureza começou nos shoppings, onde a luz é artifical, as plantas não crescem naturalmente. Nos shoppings não há relógios, para que o tempo não passe. A mesma coisa agora acontece com o corpo da mulher. Repare que os pelos precisam ser ‘podados’ constantemente”, lembra Cortella.
Sim, a depilação, principalmente a íntima, é vista como um sinal de “limpeza”. Em sites, livros e revistas que ensinam a “se preparar para uma noite de amor”, ela é vista como fator fundamental. No livro de autoajuda Por Que Ele não Ligou (ed. Sem Fronteiras), há uma lista de coisas que “excitam os homens dos pés à cabeça”. Entre elas “depilação já” e “bom hálito, balinha de hortelã!”. Já repararam o quão patéticos são os anúncios dos cremes depilatórios? Um deles diz: “Mostre que você cuida de si mesma se depilando”. Atenção: os publicitários vendem depilação como quem vende saúde. E a gente ainda compra a ideia.


“Os pelos têm uma função de proteção”, explica o ginecologista Adailton Salvatore Meira. Segundo ele, a natureza sabe o que faz. “Se você depilar toda a área genital algumas vezes, não vai ter problemas, mas se fizer isso sempre vai ficar sem defesa contra bactérias”, explica. O exagero no uso de sabonetes íntimos, segundo o médico, também pode ser um problema. “O ideal é que se use um sabonete de pH neutro. Quanto mais química tiver, pior, pois as substâncias podem ressecar a área e, a longo prazo, até fazer com que a região fique propícia a infecções.” O alerta é maior para os protetores de calcinha de uso diário. “A região vaginal precisa ‘respirar’, senão pode virar um celeiro para infecções.”


Zonas úmidasA autoassepsia feminina começa a ser enxergada por pessoas mundo afora como um sinal de que os padrões de beleza estão deixando as mulheres cada vez mais distantes do que realmente são. Uma das moças a detectar tal fenômeno – e a causar burburinho em todo o mundo – é a escritora inglesa Charlotte Roche, autora de Zonas Úmidas (ed. Objetiva). Em seu romance de estreia, ela conta a história de uma menina de 18 anos que acaba em um hospital após tentar raspar seus pelos do ânus – “já que todas as áreas por onde ela faz sexo precisam estar sem pelos, e ela também usa o ânus para fazer sexo”. A personagem adora seus odores naturais. Usa, inclusive, suas secreções vaginais como perfume. Um exagero, mas que transformou o livro em um best-seller mundial que já vendeu mais de 1 milhão de exemplares. E Charlotte foi considerada uma espécie de neofeminista por tratar o assunto com tamanha liberdade. Jornais como o New York Times, acabaram com sua obra. “Tudo isso é feito para supostamente parecer corajoso e perturbador, mas Zonas Úmidas é simples e deliberadamente agressivo”, estampou o diário americano. Charlotte dá de ombros e assume que quis mostrar que “as mulheres foram parar em uma zona exagerada de limpeza, onde tudo o que fazem parece pecaminoso”.

Mas por que temos tanta rejeição às nossas “zonas úmidas”? O psicanalista Christian Dunker, da USP, arrisca uns palpites. Para ele, o corpo se tornou tão importante por ser algo que imaginamos controlar, moldar e produzir como imagem de nós mesmos. “O cheiro, nesse sentido, é um traço essencial de que há algo que não controlamos em nosso próprio corpo. Podemos usar xampus, cremes e perfumes, mas essas táticas se degradam no tempo, são corrompidas por nosso suor, pelos odores do ambientes, pela presença do cheiro do outro.” Ou seja, por mais que você se entupa com todos os produtos existentes no mercado, não adianta, algo vai fugir do seu controle. Coisa que a publicitária Renata acabou descobrindo depois de anos de paranoia.


“Quando casei, acordava, bochechava com um antisséptico e voltava pra cama. Tinha medo que meu marido percebesse meu cheiro. Com o tempo relaxei, mas ainda dou só um beijo rápido de manhã”, diz. Vale lembrar que tanta “limpeza” e “proteção”, palavras agregadas aos produtos, nem sempre são amigas da saúde. Segundo o dentista Marcelo Cortella, os “líquidos para bochechar” devem ser usados com moderação. “Alguns branqueadores possuem produtos químicos que podem desgastar os dentes.” O mais importante: eles não substituem a escovação e o fio dental. Você pode bochechar o dia todo para se livrar de cheiros, mas os seus dentes, ou seja, a sua saúde, não vão ser beneficiados por isso.


A maioria dos produtos anticheiro é dirigida para mulheres. Vocês já viram sabonetes íntimos para homens? Ou já ouviu um homem dizer que não vai fazer sexo porque não está depilado? Provavelmente não. “Os pelos e as secreções masculinas funcionam como uma espécie de demarcação territorial”, lembra o psicanalista Christian Dunker. “O homem muito limpo, ou que não permite se sujar, nos sugere alguém que tem dificuldades em se misturar com os outros ou de suportar os diferentes estilos de prazer. Já uma mulher percebida como suja ou ‘insuficientemente limpa’ é associada a alguém que coloca seu desejo ativamente, que tem vontade de se misturar, de se sexualizar ou simplesmente que não se importa com a opinião – e logo com o desejo – dos outros.”Sinal dos temposEssa mania de limpeza excessiva, vale lembrar, é recente. A historiadora Mary del Priori, autora de História das Mulheres no Brasil (ed. Contexto), conta que o termo “cc” surgiu na década de 40 e significa exatamente cheiro de corpo. “Havia um apreço ao cheiro natural da mulher. Napoleão Bonaparte, em suas cartas para a amante Maria Josefina, pedia que ela não se lavasse”, lembra. A assepsia, segundo ela, começou a virar mania a partir dos anos 70. “Foi nessa época que a Barbie se espalhou pelo mundo. E com ela a imagem de uma mulher sem pelos, sem manchas, literalmente de plástico.” De acordo com a estudiosa, a partir daí, a fêmea passou a ser desodorizada. “Isso faz com que algumas mulheres tenham nojo de fazer coisas tipicamente femininas, como cozinhar (e ficar com as mãos cheirando comida) ou amamentar (porque o leite tem cheiro).” Sim. Esse é o exagero máximo a que todo esse nojo de seu próprio corpo pode chegar.


Nem todas entram nessas, é claro. “Uma mulher obcecada por depilação e que não quer ter cheiro simplesmente deixa de ser mulher”, pensa a atriz carioca Maria Manoella. Aos 31 anos, bonita e saudável, ela passou a refletir sobre essas questões depois de ler Zonas Úmidas. Assim como outras garotas que a reportagem da Tpm ouviu para esta matéria, Manoella ficou intrigada com uma questão levantada por Mary del Priori: “Será que os homens não sentem falta de cheirar uma mulher assim como Napoleão?”. Bem, nós preferimos primeiro ficar em paz com nossos cheiros e afins para, depois, pensar nos Napoleões.


Colaborou Bruna Bopp e Luíza Karam**O nome foi trocado a pedido da personagem

Neutralize-se
Que liberdade pode ter uma mulher sem cheiro?
Por Denise Gallo*

Após meses de sedução mútua, encontram-se na rua, por acaso, e vão tomar um chope. Um frio na barriga puxa o outro e acabam na casa dela. Mas ela sente um mal-estar. Sabe que não está preparada. Precisa resolver algumas pendências. Por isso, pedirá a ele que escolha uma música e correrá pro banheiro. Com a base líquida, cobrirá as manchinhas na pele. Com o creme depilatório, fará sumir os pelos intrusos. Com o lenço umedecido íntimo, eliminará “odores naturais”. Umas gotas de perfume e – agora sim! – sente-se adequada e feminina. Pronta para trocar fluidos higienizados noite adentro.

“Neutraliza odores naturais femininos.” Essa promessa, estampada em embalagens de produtos íntimos, é a mais perfeita tradução do comando sórdido que dá como certo que odores naturais são indesejados. Quando se trata do corpo feminino, a coluna dos “naturais indesejados” só cresce. O Photoshop invade a vida real, na forma de corretivos, lenços umedecidos e aromatizantes bucais, para retocar cheiros e sabores, texturas e cores, rugas e manchas. Neutralizada em suas singularidades, a mulher lisinha, sequinha e com sabor de cereja é a mulher desejável. Lição a ser aprendida desde cedo, como comprova a revista mui amiga das adolescentes e suas matérias sobre produtos para beijar bem ou sobre lenços íntimos que “depois que você experimentar se tornarão itens de primeira necessidade”. Por essas e outras, fica mais fácil entender por que uma autora que inventa uma personagem que gosta do cheiro do seu corpo é aclamada mundo afora como nova feminista.

É verdade que os médicos dispensam boa parte das traquitanas ofertadas nas prateleiras quando orientam a higiene adequada, em geral muito bem resolvida com água e sabão. De qualquer forma, elas não são vendidas como meros produtos de higiene. Há uma teia de significados sugerindo que, mais do que limpar, trata-se de um ato de respeito, de cuidado consigo mesma. Mulheres passam publicidades inteiras acariciando-se em banhos intermináveis enquanto enfatizam que isso é ser feminina. “Cultive sua feminilidade todos os dias”, sugere o comercial de um. “Deixa a mulher ainda mais feminina”, promete o site do outro. Feminina e neutralizada.

Voltando à garota do início, podemos torcer para que, quando ela tentar ganhar tempo com o truque da música, ele fale que prefere ouvir a respiração dela. Ela, então, não terá como fugir para a sessão de assepsia no banheiro e terá que vivenciar os cheiros e sabores do seu corpo. Mas, num lance inesperado da vida, esquecerá o que leu nas revistas sobre o poder da pele aveludada e experimentará um outro tipo de intimidade. Nada neutralizada dessa vez.

*Denise Gallo, 38, é sócia da Uma a Uma, empresa de inteligência de mercado especializada em comportamento feminino: blog.umaauma.com.br . Seu e-mail: denise@umaauma.com.br

Cheiro de mulher
Por amor aos nossos narizes, não nos privem do mais divino dos aromas
Por Ronaldo Bressane

Já estão ganhando dinheiro com cheiro de xoxota industrializado. Pelo que se entende da propaganda, o Vulva, aroma vendido na Alemanha, é sintetizado através do substrato de perseguidas finamente selecionadas (www.smellmeand.com). “Aplique a substância na mão e sinta o olor exsudado por uma vagina iniciar o filme na sua cabeça.” Para acessar o mais divino aroma natural, o coitado recorre ao supermercado – além do cinco contra um. Depois passa um sabonete e pede uma pizza. Tem coisa mais triste?

Num tempo em que até um meio-campista viril como Richarlyson faz a sobrancelha, por que não comprar um cheiro de xoxota quando bater a saudade daquela coisa chamada mulher? É prático, é garantido. E é global. Vou botar a culpa na tal da globalização para entender o festival de photoshopismo que nos assola. Se misses e modelos parecem cada vez mais a mesma mulher, suas pudendas também devem trescalar no padrão mundial. O ideal da propaganda é simples: a perfeição. E a perfeição, sabemos, não cheira.

Pobres moças, tão obsessivas em sua busca pela pureza quanto Zé do Caixão pelo Filho Perfeito. Um amigo disse ter topado com um par de minas que não cheiravam nem fediam. Nem ali nem acolá. Resultado: ele mal lembrava delas – o olfato é dos sentidos o mais rememorativo. “Sou da velha teoria de que buceta tem que ter cheiro de buceta, e não de plástico perfumado, caso de não poucas xavascas higienizadas por aí”, responderia Reinaldo Mo­raes em seu romance Pornopopeia. Outro me disse penabundear uma musa porque lhe estranhava a mania de limpeza. “Fica só um dia sem creme, pra te conhecer.”, implorava. “Você só quer saber de mim fedida!”, reclamava a deusa, prestes a lavar os respingos do amor recente, desconhecendo a máxima de Woody Allen: “Sexo bom é sexo sujo”. Tanto quanto formatar a pentelheira ao design da moda, editar o próprio odor é tendência. Tem a ver com o faxinamento atávico que prende as mulheres ao binômio água-sabão: uma tia confessou que seu pesadelo era “morrer na rua, sem ter tido tempo de trocar a calcinha”. Uma amiga dermatologista afirmou ser frequente mulheres a procurarem para aplicar Botox nas glândulas sudoríparas – “assim nunca suam”. Se soubessem o poder de um bom cecê sobre os instintos! Sujeira, para muitos desses seres que expelem gelatinosos fluxos de sangue todo mês, é pecado. “Em estudos sobre compulsão por higiene, psicólogos descobriram que mulheres relatam mais obsessões de contaminação que homens. Até hoje, certa autorrelação corporal neurótica segue como herança feminina”, aceita Laura Kipnis no capítulo “Sujeira” do elucidador Coisa de Mulher.

Não é preciso confundir higiene com neurose – nem espalhar o cheiro íntimo atrás das orelhas, como no absurdo Zonas Úmidas, de Charlotte Roche. Certo é que homem nenhum se lembra de uma mulher pelo Chanel 5. A não ser, claro, que ele tire as sobrancelhas ou tenha um frasco de Vulva no criado-mudo. Chega de frescura, moças. Conforme determina a Bíblia, relaxai e exalai!
*Ronaldo Bressane, 39, é escritor e defensor dos cheiros certos para as coisas erradas

Nojinho de mim
Procurado pela Tpm, o psicanalista Christian Dunker resolveu mergulhar no nojo feminino para entender de onde vem esse mal contemporâneo Por Christian Ingo Lenz DunkerMuito genericamente, o corpo nos diz quem somos, de onde viemos e para onde vamos. Ele se torna tão importante porque é também algo que imaginamos controlar, moldar e produzir como imagem de nós mesmos, como queremos nos apresentar para o outro. E o cheiro é um traço essencial de que há algo que não controlamos em nosso próprio corpo. Podemos usar xampus, pós, cremes e perfumes, mas essas táticas se degradam no tempo, são corrompidas por nosso suor, pelos odores do ambientes, pela presença do cheiro do outro. O que varremos para baixo do tapete permanece lá, escondido, invisível, mas aquilo que cheira mal, nos diz que mesmo estando escondido se revela na forma de uma sensação genérica e mal definida. Nosso cheiro diz, por isso mesmo, quem somos, para além do que queremos parecer. Isso não quer dizer que temos uma essência odorífica, mas que justamente por escapar, por ser mal definível, por ser um estranho dentro de nós mesmos, atribuímos ao cheiro esse lugar fascinante e perigoso. É por isso que o filme O Cheiro do Ralo (Heitor Dhalia, 2006) nos parece tão obsceno quanto atual.

Se na nossa cultura há uma promessa de que, controlando nossas imagens, controlamos como o outro nos percebe, aquilo que denuncia que as imagens enganam, ou seja, o cheiro, torna-se um problema crucial. “Por fora bela viola, por dentro pão bolorento”.

A ideia do sabonete íntimo é equivalente à tentativa de disciplinar as “partes pudentas” da mulher, de forma que elas não se mostrem indóceis, incontroláveis ou denunciantes. É interessante ver como, em geral, o sabonete íntimo cruza duas ideias ligadas ao poder moral do cheiro.

Primeiro temos a ideia de que as partes íntimas devem ser higienizadas, limpas. Esta é a ideia mais antiga, que representa a sexualidade em analogia com o sujo, o impuro e o doentio. A figura típica aqui é a da dona de casa, frustrada sexualmente, que consagra sua existência à mania de limpeza, ordem e higienização. Como as mãos de Lady MacBeth, que jamais são limpas do sangue do assassinato cometido, a sexualidade expulsa pela porta da frente, retorna pela porta de trás, como um cheiro, uma mancha, uma coisa mal definida. Hitchcock conseguiu por em imagens esta força sem forma, excessiva e invasiva representada pelo cheiro em seu filme Os Pássaros (1963).
Mas a nova retórica dos sabonetes íntimos recobre esta primeira figura com uma segunda ideia. Usar o sabonete íntimo não é só uma maneira de controlar o cheiro aversivo, mas uma forma de lembrarmo-nos que temos uma . E que ela merece atenção, cuidado e observação. Menos que uma vagina inodora, queremos aqui um cheiro específico, que podemos escolher, controlar, variar. A imagem trazida aqui é a da mulher que, mesmo menstruada, veste calça branca, faz ginástica e está disposta a qualquer coisa.Cheiro secretoO nojo é um dos chamados sentimentos sociais, ou seja, depende da forma como aprendemos a dissociar em nosso corpo o que é permitido do que é proibido, o prazer desejável do prazer interditado. Freud dedicava grande importância ao nojo como afeto social muito primitivo, tanto na história da criança, quanto na história de nossa cultura.

De fato relação com secreções e excreções são as experiências originárias do nojo, e apontam para o que deve ser excluído e escondido em nossa cultura e em nós mesmos. Por exemplo, os alemães, povo tido como meticuloso e metódico, utilizam privadas sanitárias nas quais os dejetos podem cair (em um recuo específico de porcelana), aí serem inspecionados e, em seguida, levados pela água, segundo a precisa deliberação do usuário. Já os franceses, povo mais político e dado à controvérsia, dispensam este lugar reservado para coletar os dejetos, mas permitem que a coisa flutue antes de ser abruptamente subtraída. Os japoneses, culturalmente associados com a tecnologia, inventaram as privadas com duchas automáticas, de tal forma que não é necessário ver e o mínimo de odor é experimentado. Nós brasileiros, adoramos a turbulência excessiva e os rodamoinhos pelo qual muita água deve ser escoada para limpar bem nossos rastros.

Portanto, o nojo é sempre primariamente de si, depois ele é depositado no outro. Freud fez uma afirmação clínica muito forte sobre o nojo: “Toda vez que, diante de uma experiência potencialmente sexual, encontramos no paciente o sentimento de nojo, não hesitamos em diagnosticar a histeria”. Ou seja, o nojo como afeto deslocado, o nojo excessivo, o nojo fora de lugar, aponta para um aspecto da sexualidade do qual não queremos saber em nós mesmos.

Uma mulher percebida como suja ou insuficientemente limpa é associada com alguém que coloca seu desejo ativamente, que tem vontade de se sexualizar ou, inversamente, alguém que não se importa com a opinião (e logo com o desejo) dos outros. Portanto, a higienização feminina liga-se tanto ao processo de cuidar, de observar e de tratar do próprio corpo (como satisfação intrínseca) quanto ao processo pelo qual a mulher se apresenta como capaz de controlar seu corpo (logo sua sexualidade), como um corpo que não foi tocado por outro (para a fantasia masculina seria um corpo sem rastros) e como moralmente desejável.

Mas vale lembrar que um ser humano essencialmente cheira. O cheiro é o rastro de suas experiências com os outros e consigo mesmo. A obsessão de não ter cheiro é a expressão da negação de nossa humanidade. É isso que nossa época parece pedir: “Seja intenso, viva a vida e aproveite, mas ao mesmo tempo negue a sua própria humanidade e leve uma vida líqüida: insípida, incolor e inodora.” Tome café, mas sem cafeína, coma chocolate, mas sem açúcar, viva paixões, mas sem se perder, ou seja, viva a vida, mas não seja humano.

2 comentários:

Indi(a)screet disse...

Onde isso?????
So se for no ocidente porque aqui na India a coisa eh bem diferente.
Os cheiros corporeos sao vistos e sentidos como naturais e ninguem se preocupa em esconde-los.
Todos tem bafo, chule, cheiro de sior etc.
INCREDIBLE INDIA!

Isa Paula Kechichian disse...

Que artigulo interessante! Aqui nos EUA e o mesmo do artigulo aqui...somos obssessadas por nao ter cheiros naturais :-) Erick, posso usar esse artigulo no meu blog? By the way, adoro as mantras aqui no seu blog! Om Shanti!!!

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